sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sem amigo, não tem amigoterapia

Minha mãe sempre foi popular. Desde quando eu era muito criança, posso lembrar dela como um expoente entre as vizinhas. Ela só ia à casa das amigas, em caso de necessidade delas, uma doença, uma casa pra arrumar. Mas invariavelmente, no meio da tarde, quando a Ita lavava o quintal, acabava desligando a torneira para não desperdiçar água enquanto a fofoca rolava solta.

Eu era muito pequena, mas não gostava nada disso. Era fofoca mesmo! Para a minha mãe, uma falava mal da outra na ausência da outra. Eu achava feio. Mas a parte que mais me desagradava, eram as mulheres reclamando dos próprios maridos. Apontavam tantos defeitos! E depois continuavam com eles.

As horas passavam, a necessidade de fazer “a janta” para os homens que chegavam do trabalho e as crianças que voltavam da escola encerrava a conversa e acelerava a limpeza interrompida. E as esposas seguiam servis, persistentes e confiantes de que tudo melhorava.

Muito radical, nos anos a fio que se seguiram à infância assumi uma aversão a este tipo de papo entre amigas. Reclamação de comportamento do marido foi assunto proibido na minha vida, mesmo com as raríssimas pessoas que compartilharam, de fato, minha intimidade. Não, que eu não tocasse neste assunto. Eu o fazia na profundidade necessária para desviar-me dele.

Muitos resultados decorreram disso. Tantos e tão importantes!

Primeiro, o próprio divórcio. É muito legal você ter as rédeas da própria vida em suas mãos, ter autonomia para decidir e tudo o mais. Mas nunca abrir-se para expor seus sentimentos e pensamentos a alguém de confiança, para – assim, poder ouvir-se e checar-se nas situações é péssimo.

Meus mais queridos amigos chocaram-se  com a novidade do meu primeiro divórcio, mas receio que também devem ter se sentido muito mal em relação a não poderem de modo algum nos ajudar. De qualquer forma, a maioria afastou-se depois disso.

Outra conseqüência importante, neste caso, foi o quanto demorei para entender o meu casamento e a separação. Foram quase cinco anos de casada e mais de quatro anos para chegar a conclusões sobre as tais causas e conseqüências. Era muita coisa acumulada.

E se assim foi, o meu grau de desconhecimento sobre mim mesma e o distanciamento  do caminho  – será que isso estava compreendido antes? – que devia me manter inteira em qualquer relacionamento eram enormes. Foi tão grande, tão gigante que só uma intervenção divina – mais uma, para me socorrer. Deus enviou uma amiga nova, um anjo da guarda que seguirá comigo até o final dos tempos.  

Nesta amizade, fizemos um pacto de autoconhecimento, em respeito e amor. Não falamos mal dos maridos e de outros relacionamentos. Só se for muito necessário – porque ninguém é de ferro, caramba! Mas mantemos o foco no que sentimos diante de todas as situações e de como podemos agir para sermos melhores e mais felizes.

De tudo o que esta amizade me traz, percebi que as mulheres da Rua Coblenza e da minha infância, esposas de operários, sem condições de exercerem nenhuma profissão que tomasse o tempo necessário aos cuidados da casa e dos filhos, precisavam interromper a faxina de vez em sempre e abrirem-se uma com as outras. Esta era uma condição para a persistência e a confiança que as marcavam.

E aí está a qualidade ética destas conversas. No final, a outra ficava sempre sabendo que foi alvo de alguma crítica. Daí, o bafafá desandava até que todas pedissem desculpas e renovassem a disposição de amizade. E renovavam com toda a dimensão desta palavra. As vizinhas da dona Ita mantinham, com o mesmo fervor e sinceridade, a disposição de ajudarem-se – no que era preciso. A maledicência foi sendo expurgada destas rodas. E todas amadureceram, com certeza.

Pelo menos, a dona Ita que não está mais por aqui tornou-se campeã em amizade. Ninguém mais do que ela no quesito fazer e cultivar amizades. Grande ensino. Itaterapia – a melhor.

sábado, 6 de agosto de 2011

Um tumor maligno ensina a viver. Ou não?

Minha mãe e minha irmã. Foto: Talles Andriolli

Três meses que incluíram um atendimento de emergência, uma noite em UTI, uma montanha de exames e dias de sintomas muito esquisitos nos levaram até ali. Ali, era o leito de um hospital. Eu e minha irmã, ao lado da minha mãe que sofreria a primeira – de duas, cirurgia cerebral. Os médicos já haviam nos informado que o procedimento não é mais o monstro que foi até há alguns anos. Tipo assim: deixou de ser um monstro de 12 metros de altura e passou para um monstrinho de uns cinco, que ainda está longe se  ser amarrado em uma coleira.

O motivo do procedimento era bem mais monstruoso. Um tumor com quatro características apenas: invasivo, o mais agressivo existente, maligno e incurável. Naquele momento, minha mãe não tinha todas estas informações, apenas parte delas. A respeito da cirurgia, mais um dado relevante: não completaria um ano.

Então, estávamos nós três ali. Ali era também a nossa história. Ali era o nosso amor. Ali era tudo o que aprendemos. Ali era o início da despedida.

Perguntei às duas que estão entre as mais importantes mulheres da minha vida: como vamos viver isso? Nenhuma resposta porque minha irmã já estava chorando. Segui. Vamos passar como pessoas que tem fé ou como as que não têm? Não, como quem tem fé – veio a resposta unânime. Então, que seja de verdade. Porque quem tem fé acredita que a vida é eterna. E resolvemos passar este tempo, da mesma forma como passamos por quase tudo na minha família: com alegria.

O médico acertou. Da data da intervenção cirúrgica até o falecimento da Ita foram 11 meses. Um período em que nos dedicamos de todas as maneiras a aproveitar a presença da minha mãe e a nossa união com muita, mas muita alegria mesmo. As festas que já eram tradicionais ficaram mais animadas e os nossos encontros – todos muito especiais.

É claro que teve choro, que não faltou angústia de montes, raiva, dor. 

Mas ali - e ali foi um lugar de decisão, escolhemos aproveitar e valorizar o presente. Curtir intensamente. Meu irmão querido, tão sensível, teve coragem e permaneceu conosco. Foi lindo! Aquela decisão, antes de tudo realmente começar, contaminou toda a família – que é gigante, e foi o norte para os nossos sentimentos e relacionamentos. A experiência mais dolorida foi também a mais rica da minha vida.

Ali é hoje. Independente de perdas irreparáveis e pré-anunciadas temos a informação que nos basta: neste lugar, desta maneira, com estas possibilidades de relacionamentos a vida é finita. Ou será preciso um tumor  avassalador para aprender, de fato, a viver? Ou será que nem assim?