quinta-feira, 16 de maio de 2013

Independência ou ilusão?

Independência  sempre foi uma palavra muito valorizada no meu vocabulário. Chic e necessária, imprescindível. Não sei dizer desde quando, mas meu pai, na minha pré-adolescência, já antevia problemas."Vai ser difícil um marido. Ela é muito independente. Marido não é pai."

O Geraldão, meu pai, dava a maior força, ao modo dele, para os rompantes autônomos da filha e esteve  por perto até o segundo casamento. Sem sua presença, mais um matrimônio. 

Começar e terminar relacionamentos conjugais não era o problema. Mas a disposição de reiniciar sempre deixou de ser o grande barato. Aliás, comecei a me cansar desta repetição. Tornou-se desafio a manutenção do relacionamento, com renovação constante, a perseverança; o ficar para investir em dar certo. 

Então, perseverar e ser independente, do modo como eu sempre me coloquei, tornaram-se possibilidades diametralmente opostas.  Eu já estava muito enrolada e meu terceiro matrimônio indo pro fim! 

E ainda um outro grande equívoco que foi mais difícil de enxergar. Para mim, independência era algo relacionado a não depender financeiramente do marido. E nada mais. Maldita ignorância! Sem depender do companheiro para pagar as contas, podia depender do resto do mundo. 

Tornei-me escrava do trabalho, de chefes ultra mega controladores, do limite bancário, do cartão de crédito, do elogio de falsos amigos, da sobrecarga de incumbências, de filhos nunca satisfeitos e de maridos  dependentes de mim. O perfeccionismo e o medo, aliados a ansiedade por pouco não me dominaram.

Até as minhas próprias contas já me sustentaram. Sim, uma vez só não desisti da minha empresa porque haviam muitas dívidas a serem pagas. Não dever era o meu limite. Minha mãe me educou assim e nisso não foi possível frustrar a dona Ita. Ainda bem.

Sem me dar conta do tamanho do engano à época e na esperança de me desenrolar da confusão sobre a qual não tinha nem noção da magnitude, primeiro, me enrolei mais. Pra começar a fazer diferente, achei que a saída seria tornar-me dependente do meu marido. Burrice. Negação da minha essência e das bençãos de Deus sobre a minha vida, como indivíduo. 

A rápida tentativa - graças a Deus, totalmente fracassada de ser dependente, me fez perceber que antes, na ânsia da independência, arrastei um zilhão de pessoas que bem tranquilamente deixaram-se "depender" de mim. Independência, pura ilusão.

Na verdade, tornei-me prisioneira de um sofisma que eu mesma criei: "sou muito independente, porque todos a minha volta dependem de mim." Só que não. No geral, eu era explorada no duro, mas sob "auto-patrocínio", algo assim como andar com uma tabuleta nas costas: "explore-me". 

No meu conceito, independência deveria corresponder à liberdade. E ser livre foi tudo o que não consegui até aquele momento.

 "Conheceis a verdade e a verdade vos libertará", mais uma vez. E  eram muitas verdades: eu não era independente coisa nenhuma porque muitos faziam questão de depender de mim e isso me prendia; eu não tinha tempo, nem dinheiro, para mim e meus projetos, porque estava sempre comprometida com os outros; eu vivia para os desejos e objetivos de terceiros não para os meus de fato; o casamento tornou-se o piano e eu carregava 95% do peso. Eu estava envelhecendo muito rápido e ficando feia. Eu estava exausta. 

Na exaustão decidi: este é o último casamento. Casei na igreja e alguns anos e crises depois, também no civil.  A decisão de casar na igreja foi para celebrar a aliança que eu já havia feito com Deus. "Senhor, já falhei outras vezes, vou ver se no seu comando a coisa funciona melhor". Eu nem tinha noção de que oração era esta, mas era sincera. E por isso deu certo. 

Passei a crer em frases, que se tornaram verdade, que se tornaram princípios no meu relacionamento: Deus é o cabeça da união conjugal, o que Deus uniu o homem não separa, a primeira aliança de Deus é com a família; Deus renova todas as coisas; é preciso perdoar 70 vezes 7  por dia. 

De repente, depois de 17 anos, a conquista. Somos uma só carne - eu e meu Gordo. O que dói nele, dói mais em mim; o que o alegra, me motiva. Ele tem seus projetos, eu os meus. E nós os nossos. Se eu dependo do meu marido? Não. E nem ele de mim. 

Nas minhas finanças, minha última conquista foi há um ano: fora, cartão de crédito. Comprar o que posso, com o dinheiro que tenho no bolso. Nada de usar o limite da conta bancária. Na minha empresa, primeiro guardar dinheiro para fechá-la, sem dever nada a ninguém se assim der na telha - e Deus me enviou uma sócia que também prefere assim.

De quem eu dependo hoje? Do meu trabalho? Dos meus amados ao meu redor? Da minha empresa? Não. Dependo de Deus, a quem eu amo acima de todas as coisas. E as outras, simplesmente me são acrescentadas. E se não são, não faz mal. Em Deus, nada me falta mesmo. 

Agora eu sou livre... e fiquei mais bonita.  

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Tonico e a depressão


Antonio Fávero, o Tonico, era meu avô, por parte de mãe. Mineiríssimo, desde que o reconheci nunca mudou de aparência – alto, magro esguio, orelhas e nariz em tamanhos regiamente italianos, olhos pequenos e muito azuis. Elegância era uma marca dele.  Perfumado, sempre. Calças passadas com vinco e camisa impecáveis.

Saiu de Minas, pressionado pelos filhos moços que queriam morar na cidade grande e trabalhar em fábricas. Outra marca: nunca ninguém jamais o viu trabalhando. Antes, porque era filho de fazendeiros do sul de Minas, na época áurea do café. Depois, em São Paulo, passou a ser dependente dos filhos.

Tonico não tinha contas para pagar. Os filhos, de alguma forma, o sustentavam. A vida mansa do Tonico era motivo de chacota entre os netos. Veladamente, porque sempre se exigiu respeito ao Tonico, por ser avô e mais do que isso, pelo simples fato de ser  idoso. Aprendemos a respeitá-lo e, assim,  a qualquer outro na mesma condição, como deve ser.

Tonico era queridíssimo – a figura sempre disposta a contar como havia caçado onças e baleias que matou à unha. Os netos pequeninos brilhavam de admiração diante de tamanhas façanhas; os mais velhos também brilhavam com as lembranças do quanto bem fez um dia terem acreditado nas mesmas histórias. Havia netos de todas as idades porque eram muitos.

Tonico amava andar. Ia de um bairro a outro e, às vezes de uma cidade a outra, entre as casas dos filhos, sempre à pé. Quando a disposição era elogiada,  já emendava que havia, inclusive, ido até à sua cidade natal, distante de São Paulo cerca de 300 quilômetros, da mesma forma. E lá vinha mais um causo.

Quando estava cansado, ficava atentando um dos netos a dar-lhe carona. Pedia até conseguir. Dentro do carro protestava que não ia sem ajudar a pagar o combustível. “Para no posto que eu vou pagar uma xícara de gasolina”.

Tonico era bom garfo, o primeiro a servir-se à mesa, o último a sair dela. Mastigava muito devagar. Amassava o feijão, jogava pimenta em cima, depois salpicava a farinha de mandioca e então, o arroz e o que mais tivesse de mistura. Fazia piadas com os legumes para incentivar a criançada a comê-los.

Tonico, de repente ficou quieto. Não que fosse de muito falar, mas esse silêncio era diferente. Dias e dias se passaram. Tonico levantava-se, arrumava-se e passava o dia sentado no canto do sofá. Sem ver televisão, sem conversar.

Minha tia preocupou-se, provocava alguma reação e nada. Convites para passeios e nada. Era certo que o Tonico, até ele, fora vitimado pela depressão.  Sem ter mais o que fazer, minha tia foi direto ao ponto: “Mas pai, conversa comigo, me diz o que está acontecendo?”  Em resposta, o Tonico foi mais certeiro ainda: “Penso de um jeito não dá, penso de outro também não dá”. Matou a charada, mudou de pensamento e saiu do buraco depressivo.  Grande tonicoterapia!