quarta-feira, 27 de abril de 2011

A mocinha e o maconheiro do bairro

Já contei que fui uma criança e adolescente exemplar. Primeira aluna da classe, obediente em casa, prestativa para a vizinhança. Meu primeiro namorado, só aos 16 anos: o maconheiro da região. E na época, o rótulo era o fim.
Três meses de namoro escondido, eu já a fim de romper, meus pais descobrem a façanha. A casa caiu. Eu, então, não poderia terminar o namoro porque pareceria sucumbência à determinação alheia, ainda que superior. Mantive-me durona, o namoro firme.
Coube ao meu pai a tarefa de conversar com a filhota. Foi aí que tive uma grande lição, que me deu base segura para  a edução dos meus próprios filhos.
Só nos dois, sentados à mesa da cozinha, sem absolutamente nada que pudesse nos atrapalhar. A conversa objetiva, mas plena e densamente carregada de amor. Primeiro, com a calma que lhe era peculiar, checou as informações que ele já tinha. Eu, serenamente, sem medo ou petulância,  confirmei.
Na sequencia, disse: "Rê, pelo que eu conheço de você, pelo que eu conheço desse moço (ele morava no mesmo bairro e a nossa família se relaciona com a dele) não há motivos para esse namoro dar certo. Eu sei como você foi educada. Pela experiência que eu tenho, gostaria de poder evitar que esse namoro prosseguisse, porque temo que você sofra e isso é algo que eu não quero. Mas a vida é sua e as escolhas devem ser suas para que você tenha as suas proprias experiências. Eu quero que você saiba que este é o seu primeiro namorado e eu e sua mãe estamos ao seu lado."
É lógico que eu me apaixonei ainda mais pelo Geraldão, o meu pai. De cara, mesmo do alto dos meus 16, identifiquei com quanta sabedoria estava cercada. Sem um mílimetro de pressão ou chantagem emocional. Ele ainda se mostrou orgulhoso por eu estar iniciando uma nova e maravilhosa fase de vida: a dos namoros.
O namoro? Ah! Foi só o primeiro mesmo.
Esse ensinamento me guia até hoje, principalmente no relacionamento com os meus filhos. A vida é sua, a escolha é sua, as consequencias - boas ou não, são suas. Eu continuo mãe, oferecendo conselhos e experiências se me pedem; às vezes nem pedindo. Normalemente, ajudo-os oferecendo a possibiloidade de analisar os vários cenários previsíveis em qualquer situação. E quando concedo uma opinião, ressalto a necessidade desta ser tratada apenas como uma opinião e não como sugestão e jamais como imposição.
Valeu, Geraldão! Você foi o máximo na minha vida. Enorme privilégio para mim. Grande Geraldoterapia!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Você quer morrer de "quem vai lavar a louça"?

Uma vez eu quase morri de uma doença muito comum, mas pouco conhecida, chamada "quem vai lavar a louça?" É causada pelo stress e pode desenvolver outras como "porque as toalhas molhadas estão sempre sobre a cama?"; "porque você não está pronto na hora certa?" "Quando o seu quarto estará arrumado?". É uma enfermidade grave que pode causar outras - e estas podem levar à morte; como um enfarte, por exemplo, ou um AVC (acidente vascular cerebral). 


A notícia boa é que esta doença tem cura. Comigo, aconteceu assim. 
Foto: Marcio Trevisan 


O nível de stress estava altíssimo. Eu, para variar sobrecarregada. Os filhos, no auge de quase tudo de controverso que pode acontecer na adolescência. O marido, companheiro sim, mas o "reclamão" de tudo e sempre. Todos, com os nervos à flor da pele. E a louça, que não fui eu que sujei, para lavar. 


Neste cenário, decidir quem ia lavar a louça transformou-se em uma verdadeira guerra, com argumentos, contra-argumentos, rancores e ressentimentos desenterrados, numa discussão que evoluía para a desarmonia total, um cansaço tremendo e relações completamente desestruturadas. Autoridade nenhuma era capaz de por fim à crise. Depois da batalha, restava a louça suja para eu lavar. 


É claro que logo cheguei a conclusão que isso não poderia continuar. Preparei-me para a próxima vez, que não tardou a chegar. Decidida, me via preparada para me impor e resolver definitivamente a questão. Quando chegou a oportunidade, foi a pior de todas. A baixaria chegou ao ponto de o filho de 17 anos se arrumar para sair de casa, acompanhado da solidária irmã de 19. O filho de 8, desnorteado. O marido usando de todos os recursos da chantagem emocional sobre o valor da mãe deles para chamar a atenção dos enteados - que jamais reconheceriam a autoridade do padrasto. 


E eu? Incrível, mas neste caos, eu vi a solução. 


Em estado de grande exaltação me vi, com uma super crise de hipertensão. Em segundos, estaria sendo levada ao médico, tendo um infarto fulminante no meio do caminho. Morta, enfim. Velório com filhos e marido comovidos, talvez justificando algum remorso. Amigos e conhecidos a procura do que ocorreu nos meus últimos minutos de vida. 


E os diálogos: - "Do que foi?"; "Infarto, fulminante" - "Mas como? Ela parecia uma pessoa tão calma. O que aconteceu?"; "Foi uma crise decorrente do "quem vai lavar a louça". É claro que eu não poderia admitir isso no meu velório. E decidi que não queria morrer desta doença infernal.  


E foi assim, no meio da bagunça total que voltei a enxergar tudo com clareza e me senti capaz de resolver este terrível mal, sem ter que morrer por isso. 
Desisti de tentar mudar ou convencer marido e filhos a terem outro comportamento. Mudei eu.


Assumi o meu papel de dona de casa. Reorganizei meu acordo com a minha secretária para diminuir o trabalho doméstico excedente. No mais, eu mesma limpo quando estou descansada e a fim. Não deixo acumular coisas, além de um limite razoável. Faço tudo com amor e satisfação. Quando não estou com vontade, também não faço, com o mesmo amor e satisfação. Sem culpas, nem para mim, nem para os outros. Não permito que ninguém reclame porque está bagunçado ou porque estou gastando meu tempo que deveria ser livre para faxinar a casa.

Com o tempo, os filhos que ainda moram comigo - um já mora em outro Estado, ajudam e até lavam toda a louça, mas em outro estado de espírito. E eu também os educo, em outro estado de espírito. Sem identificar a louça suja como o grande problema, posso perceber o que deve merecer atenção e ser resolvido nos nossos relacionamentos. 


Hoje, tenho certeza que desta doença, não morrerei.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Os amigos e a opinião alheia

Há situações realmente muito delicadas entre os melhores amigos. Confidentes, com um alto conhecimento da vida um do outro, com um amor sincero e uma tremenda vontade de ver a felicidade do outro. Por mais incrível que possa parecer, estes ingredientes não garantem uma relação saudável.

Foto: Marcio Trevisan 
Todo a atenção para vivermos em verdade, é necessária também dedicar às amizades. Opiniões de pessoas que nos amam e nos apoiam sinceramente são apenas opiniões. Não podem ser encaradas como sentenças a serem cumpridas, como se determinadas por um juiz.

E em situações mais complexas e importantes da vida é bom dar ao amigo uma opção consciente. Uma vez contei a uma grande amiga, o quanto estava apaixonada e determinada a um romance em uma situação facilmente detectada como uma grande fria. De cara, disse: "estou apaixonada, super feliz e vou viver isso, me apoie."

Pronto. Ela soube que eu não queria a opinião dela - que de fato já conhecia. E então, ela me devolveu: "vamos mergulhar nisso, vai ser super legal." Foi e não foi. Mas nossa amizade, com certeza se fortaleceu.
Mas também já me justifiquei na suposta não aprovação de uma amiga ao tomar uma decisão. Muito ruim isso, para mim, minha amiga e a amizade. Aliás, é muito perigoso. A vida é minha, as escolhas são minhas. Opiniões - querendo-as ou não como conselhos a serem considerados, são alheias.

Aviso aos meus super amigos. Sou faladeira mesmo, assumo-me. Mas não tenho a menor vocação para ser responsabilizada por nenhuma decisão, seja lá do meu mais amado e próximo ente. Não importa com quanta veemência eu defenda uma idéia, uma proposta, uma opinião. A decisão é do outro. Cobrar de mim ou simplesmente me responsabilizar, não vai colar! Nem quando der certo...