terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Tonico e a depressão


Antonio Fávero, o Tonico, era meu avô, por parte de mãe. Mineiríssimo, desde que o reconheci nunca mudou de aparência – alto, magro esguio, orelhas e nariz em tamanhos regiamente italianos, olhos pequenos e muito azuis. Elegância era uma marca dele.  Perfumado, sempre. Calças passadas com vinco e camisa impecáveis.

Saiu de Minas, pressionado pelos filhos moços que queriam morar na cidade grande e trabalhar em fábricas. Outra marca: nunca ninguém jamais o viu trabalhando. Antes, porque era filho de fazendeiros do sul de Minas, na época áurea do café. Depois, em São Paulo, passou a ser dependente dos filhos.

Tonico não tinha contas para pagar. Os filhos, de alguma forma, o sustentavam. A vida mansa do Tonico era motivo de chacota entre os netos. Veladamente, porque sempre se exigiu respeito ao Tonico, por ser avô e mais do que isso, pelo simples fato de ser  idoso. Aprendemos a respeitá-lo e, assim,  a qualquer outro na mesma condição, como deve ser.

Tonico era queridíssimo – a figura sempre disposta a contar como havia caçado onças e baleias que matou à unha. Os netos pequeninos brilhavam de admiração diante de tamanhas façanhas; os mais velhos também brilhavam com as lembranças do quanto bem fez um dia terem acreditado nas mesmas histórias. Havia netos de todas as idades porque eram muitos.

Tonico amava andar. Ia de um bairro a outro e, às vezes de uma cidade a outra, entre as casas dos filhos, sempre à pé. Quando a disposição era elogiada,  já emendava que havia, inclusive, ido até à sua cidade natal, distante de São Paulo cerca de 300 quilômetros, da mesma forma. E lá vinha mais um causo.

Quando estava cansado, ficava atentando um dos netos a dar-lhe carona. Pedia até conseguir. Dentro do carro protestava que não ia sem ajudar a pagar o combustível. “Para no posto que eu vou pagar uma xícara de gasolina”.

Tonico era bom garfo, o primeiro a servir-se à mesa, o último a sair dela. Mastigava muito devagar. Amassava o feijão, jogava pimenta em cima, depois salpicava a farinha de mandioca e então, o arroz e o que mais tivesse de mistura. Fazia piadas com os legumes para incentivar a criançada a comê-los.

Tonico, de repente ficou quieto. Não que fosse de muito falar, mas esse silêncio era diferente. Dias e dias se passaram. Tonico levantava-se, arrumava-se e passava o dia sentado no canto do sofá. Sem ver televisão, sem conversar.

Minha tia preocupou-se, provocava alguma reação e nada. Convites para passeios e nada. Era certo que o Tonico, até ele, fora vitimado pela depressão.  Sem ter mais o que fazer, minha tia foi direto ao ponto: “Mas pai, conversa comigo, me diz o que está acontecendo?”  Em resposta, o Tonico foi mais certeiro ainda: “Penso de um jeito não dá, penso de outro também não dá”. Matou a charada, mudou de pensamento e saiu do buraco depressivo.  Grande tonicoterapia!